Baleia no quintal

Maria Mercêdes Martins dos Santos-Mary Bright

Dec 1, 2020 · 4 min read

(Da crônica nasce uma história)

O título me é tão interessante quanto desafiador.

Assim que me foi sugerido, passei a semana inteira pensando nele e minha curiosidade aumentava a cada dia. O quê sairia das letras que saltam ao contato com meus polegares no teclado do celular?

As letras saltam literalmente, pois optei por deixar a vibração do teclado acionada. Gosto de sentir cada letra pular em meus dedos quando as chamo. É como se a escrita estivesse viva!

Penso que não há temas difíceis para aqueles que se aventuram no árduo e, ao mesmo tempo, divertido caminho da escrita. O que há, são temas que logo puxam a inspiração para fora da mente assim que entramos em contato com eles. Outros porém, nos desafiam e nos fazem sentir como baleias encalhadas. Nadamos em imaginações “elocubratórias” e nossa mente viaja longe, segue tão longe divagando por mares distantes de casa, querendo buscar inspiração para o tema que teima em nos desafiar, que a escrita acaba encalhada como baleia em uma praia.

Foi no meio desta crônica, imaginando uma baleia encalhada em um quintal, que me veio à mente esta história. Porque baleias são seres tão esplendorosos em seu gigantismo “baleístico” que um quintal é um mundo muito pequeno para os seu sonhos, mesmo que seja uma praia, quintal do mar!

Eis que surge a história!

Sofia era uma baleia diferente. Desde pequena, sonhava com mares distantes daqueles mares limítrofes de seu mundo. Sonhava, um dia, conhecê-los.

  • O quê será que existe para além deste mar? Será que existem vidas diferentes da nossa? Perguntava, toda vez que ia nadar com seus pais e amigos.
  • Aquiete-se, menina! Nosso mundo aqui é seguro, olhe que você acaba se metendo em encrenca! Repetiam-lhe os adultos.

Assim, Sofia cresceu nadando e vivendo em seu mundo de baleia. Mas toda vez que subia à superfície para respirar, cravava os olhos naquela imensidão à sua frente:

  • Aonde é o fim deste mar?

Disfarçava o olhar, assim que percebia que alguma outra baleia do cardume a estava olhando, como se adivinhasse seus pensamentos e descia com a respiração refeita e com mais vontade de conhecer o fim do mar. Sentia-se inquieta e, ao mesmo tempo envergonhada por ter aquele sonho: conhecer o fim do mar. “Será que mar tem fim?”, perguntava sua curiosidade inquieta.

Todos a chamavam de baleia-cabeça-de-vento, porque sempre sonhara com coisas diferentes, coisas com que outras baleias não sonham.

  • Onde já se viu, querer conhecer o fim do mar? Comentavam as outras baleias aos cochichos, que sempre chegavam maldosamente aos ouvidos de Sofia.

Como se fosse loucura pensar diferente!

  • Só mesmo uma desmiolada para para querer atravessar o mar por caminhos perigosos!

Ah! Mas os sonhos são sempre inquietos em uma mente curiosa.

E em um dia migratório do cardume, enquanto Sofia nadava com sua família e amigos para o sul, talvez pela inquietação do sonho, o céu, sabendo do desejo de Sofia, despejou no mar uma intensa tempestade de raios solares, desnorteando os sonares de todas as baleias e Sofia se desgarrou do bando.

Quando deu por si, estava sozinha naquela imensidão azul. Por incrível que pareça não sentiu medo. Sabia que assim que o sol recolhesse seus raios desgovernados, seu sonar voltaria a funcionar e ela encontraria sua família novamente.

Fixou os olhos em uma direção e começou a nadar por debaixo daquele azul, claro em cima e escuro embaixo.

Nadava e subia para respirar aquela liberdade.

No meio do caminho, cruzou com várias espécimes de peixes que cumprimentava como criança feliz que aproveita um segundo de distração dos pais para abraçar a liberdade.

Estava tão maravilhada com a possibilidade de descobrir onde terminava o mar que nem se deu conta que já tinha se afastado o bastante, quando uma onda mais forte a empurrou para a praia.

Sentiu algo áspero tocar sua barriga. Tentou voltar mas não conseguiu. Estava encalhada com metade do corpo colado na areia da praia.

À sua frente seus olhos admiravam aqueles grãos cristalinos que brilhavam na luz do sol. Tão diferente dos grãos que envolviam os corais de sua casa.

Abriu a boca num sorriso-espanto-admiração e exclamou:

  • Ah! Então aqui é o fim do mar!

Tentou mover-se para ver a praia de um outro ângulo mas só o que conseguiu foi pressionar ainda mais seus pulmões junto à areia fina.

Deixou-se ficar ali, parada, qualquer esforço dificultava sua respiração e, além do mais, seu grande sonho havia sido realizado. A poucas baleias é concedido o desejo de saber onde o mar termina. E ela agora sabia.

Começou a sentir um sono, os olhos pesados começaram a fechar, a respiração foi ficando mais lenta. E a lembrança da praia foi ficando distante na mente de Sofia.

Ali, embalada pelo vento que balançava as palhas dos coqueiros fechou os olhos naquele quintal de adormecer baleias!

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